segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Blog - A Barca dos Amantes, por Leonardo B


Do ornamento e fenda
um pouco de asa de gaivota, lascada nuvem
que se guarda no vento, na
quebradiça gota de ribeiro oceano,
recolho o timbre.
Recolhidas e guardadas as cordas escritas, devolvo o momento
e espalho em dois ventos desavindos,
a membrana esculpida no brusco céu,
pedaço de astrolábio em movimento.
Reordenadas as travessias de quem parou o tempo
cada sílaba, cada azul vocábulo
de que se fazem os caminhos empedrados do céu,
de que se fazem, mais além,
as partidas e chegadas do mundo,
contas de balancete intemporal, fenda e raiz. Aí
recolhidas ao ar primeiro de tantas luas, ao vagar
das águas, essa placenta que nos trouxe ao mundo
e nos leva de volta ao que se recorda
do alçado e canção do céu tão
azul como a ocre nota da terra. E aí
na tábua breve do oceano profundo, adornadas
as sílabas que se assomarão
aos lábios de quem se reclama no último átomo do
mundo, ínfimo braço, mar salgado
de onde partem as palavras, aéreas traças que
nos desenhos incompletos, nos rudes bonecos,
enxertam nas margens o sulco sereno
brotos de vento desenhados pela mão imprevista e complexa.
- E aí, na lascada nuvem asa de gaivota,
no timbre e nas mornas cinzas,
que vagamente se assemelham aos poemas
desta pouca terra do silêncio,
chão, ardósia para o aprendiz de peregrino,
nascem as palavras que
Em elipse e ornamento se testemunham
na raiz rebento de voz, gritam e existem!
Como complexos de estrelas comuns,
como areias do tempo, reflexo e fuligem do mar,
existem!
Reordenadas estas vozes dentro de mim,
que ao mesmo tempo me fazem sorrir ou abandonar,
tal como no advento em que o sol e a chuva se misturam,
recolho, alquebro os braços,
separo os timbres que se agasalham nas asas dos ventos,
adentrados nas folhas de papel salgado, nas
tramas possíveis dos mares. E na
côncava mão do poema, ornamento e raiz
do país que sem fronteira nem traçado,
construí na matriz da minha aorta, meu
pedaço de astrolábio em movimento,
incompleto o mapa meu, coordenada escrita em giz,
que ao contrário do que aparenta
há muito já não me pertence.
imagem: reprodução de foto sem titulo, Derkelenbiber

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